quinta-feira, 30 de outubro de 2025

me colocaste no mundo
numa tarde quente e úmida
de novembro do teu corpo
expelias corpo e sangue-escuro
enlameando a terra por onde
eu caminharia não feito cria
feito flor feito íris-caminhante
pelo jardim dos teus dias
cortaram o talo que nos unia
a minha carne feita da tua carne
já não podia viver de ti
era preciso ser árvore
crescer explorar o solo vermelho
a areia o mar e quando dei por mim
nessa transformaria
te fizeras passarinha
desde o princípio foras feita para o ar
estou escrevendo para você de dentro de um corpo que era teu. — ocean vuong

então ajusto o timbre
que a voz é minha
a voz de menina
que não sabia
quando parar 
de falar 
então falava
sozinha
aos cotovelos. 
estrilo de alegria
e me calo em reverência
quando pela primeira vez 
coloco os teus sapatos
uso as tuas roupas
queria apenas ser outra
e tu era quem estava ao alcance. 
então ajusto o corte 
que o texto é tecido
e quero costurá-lo
à medida do teu corpo
onde já habitei
dali de dentro 
onde hoje cultivas
rosas sem nome nem cheiro
brota tanta vida
se prolifera em células enlouquecidas
a tua vida
que gerou a minha 
e hoje existe neste meu corpo
que tem também a forma do teu.
então escrevo para que neste corpo-tecido
existas a partir de mim, para que de mim saias
e habites também este Aqui
para que em mim te demores
toda a vida, explodindo os meus Alis.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

se eu fosse confeiteira
te faria um bolo
de milho
bem amarelinho
como as tuas rosas
mais cheirosas
um bolo como uma vida inteira
por cima decoraria
com pipoca doce
feito o grão 
que explode
em vida

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

 para a minha mãe, paciente oncológica

 

é preciso o instrumento certo.
as mãos sem luva mesmo
com atenção extrema
tomam o ancinho
o podador, a serra...
me pergunto com que delicadeza
posso abrir-te a barriga
para começar a trabalhar
no teu jardim secreto
e tirar tudo o que 
explode
a vida;
com que delicadeza posso
entrar-te outra vez no ventre
encontrar as raízes e
deixar-te ali somente
as tuas queridas rosas,
extirpar-lhes as formigas famintas;
deixar-te ali somente
o perfume do dia ameno
a luz dos vagalumes
e o canto de uma ave rara;

com que delicadeza posso
deixar-te semente
para que brotes infinita
em vida?

terça-feira, 7 de outubro de 2025

nasci na beira de um rio
numa quarta-feira de novembro 
quando o verão ainda era ameno
vim a este mundo chorando 
lágrimas sempre grossas e salgadas
— oceânica

na academia

a frieza da palavra me toma como uma lâmina de ferro gelado parece vidro porque é frágil mas me permeia como as árvores o vento