a barbie
não sente raiva
ela é bondosa e trabalhadora
está sempre sorrindo e com a pele brilhando
mesmo nas mãos de uma criança
que chacoalha a boneca e bagunça o cabelo
ela mantém seu impenetrável sorriso no rosto
a criança transfere a raiva a frustração a tristeza
e muitas vezes nem se dá conta cega pelo ódio
do sorriso nos lábios de batom rosado
uma pequena denúncia no brilho
dos olhos azulados que nunca piscam

essa mulher na janela é tão pequena
que acho que é uma boneca
mas bonecas não fumam
e o tec tec feroz na tela do celular
que ouço daqui da calçada
confirma a denúncia
seus lábios vermelhos pintados
borram a cigarro almofadado
sua maquiagem sai se desfaz
sua expressão se desmancha
uma história contada em pó
compacto e rímel chorado
e mesmo uma barbie lavável
não iria tão longe
ser cambiante
lhe falta a liberdade
da raiva

você
nunca me amou
em minha inteireza
e nada ou muito pouco
te dizem esses
cacos no chão

encontro quase sempre um ex namorado
de uma conhecida, a catarina,
nos encontramos na rua em que moramos
na academia no supermercado na praça no posto
de passagem e toda santa vez
fingimos desconhecer esse rosto
seguimos de mãos dadas pelas ruas
com a falsa ignorância do teu corpo
abraçamos o desconforto silencioso
a mera presença física de nossos corpos
ocupando a mesma rua é fantasma é dor
do corpo dela

me pergunto se ela também te encontra
e finge não me ver