segunda-feira, 28 de novembro de 2022

não tinha pressa em saber
onde isto qualquer coisa
estava me levando
há meses reformando
dois cômodos da casa
um só de passagem
o corredor das portas
não me interessavam
trends e decor e uma
casa pronta em dias
nesta casa em que vivo
há mais de cinco anos
sinto-me sempre
em reforma
paredes arcaicas cavadas
móveis velhos rasgados
sinto-me sempre e mais
de mudança

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

lambo o sangue da ferida aberta
enquanto o ferro me fere a língua
me fere a lembrança das tuas mãos
que lavavam geladeiras e pisos
a bucha tão adaptada a elas
como explicar o som da tua voz
de fundo de mudança de tom
dos meus dias amarelos

é claro que
eu não sei dizer
se era realmente verde
a tua camisa naquele dia
se era azul ou amarela
ou vermelha todas
as tuas cores

mas eu lembro assim
teus olhos nem tão fixos
na prateleira da geladeira
a água corrente da torneira
do tanque te beijavam as mãos
espumadas de sabão
e confundo
o teu olhar verde
com o teu olhar azul
segurando o nosso gato em tuas mãos
é um beijo o encontro desses corpos
e eu ali ausente registrando
me lembro assim
como uma melodia
um samba
que insiste em tocar

escorre do canto da boca
sangue e baba e suor
o meu dia não tem fim
não sei quando foi
que te amei
se te amei
meu bem
tanto, me negastes
e eu não
eu não
te amei

se buda é um menino
de rua que tenta
paula glenadel
te engambelar de cima
de uma bicicleta lilás
aliás de debaixo do pé
do mundo, é imundo
quem é
judas, jesus?

sou tarzana batendo no peito
no seio da selva
curvado leitoso meio
a meio: sou rainha selvagem
minha floresta é
uma suculenta
num vaso
de plástico
meu grito
um ruído
urbano

porque uma mulher é uma mulher etc e gal

vamo
galera
mulheres
peguem suas tranças
trancem um transe
coletivo
mas que ideia
é essa: mulher?

é quem sai de biquíni e toma
o sol para si sem nem querer

- mas que ideia
é essa, mulher?

é sair de casa de biquíni
e nomear uma duna sem
nem saber

mas que ideia
é essa mulher?

anjo profano
a pele do futuro

- que se passa
pela tua cabeça
tão oquinha
vaziazinha
trançada, menina?
não diga bobagens
nem futilidades
nada te ocorre
nada te passa
que não seja um vento
uma brisa

vazio como um cesto
trançado em palha
nem vento não me passa
um clima hostil
tudo queima
nessa cidade pequena

bora galera mulheres
tomem as fábricas
os campos
as camas
a produção
os meios
de reprodução
plantem plantem plantem
rasguem o saco
cheíssimo
deixem que caiam
das tranças de rayzas
as sementes todas
plantem plantem plantem
bananeiras
varram com as tranças a terra
em transe
façam como a vegetariana
finquem fundo os dedos na terra
criem ali raízes
de pernas pro ar
ra - ih! - zes
também ísis é um nome
nomeiem a todes
e percam
o próprio
nome próprio

mulheres
rasguem
a pele do nome
sejam mulheres
despeladas
firam a pele da terra
firam a pele da pele
pelo broto pela casca
brotem o pão
da terra-marielle
teçam o fio da rede
de vossas aranhas
e riam
se quiserem
riam-se toda
riso-bruxa
riso soltas
riso-raiz

façam um risotto selváttico
almoço robusto selvagem
grãos e grãos e grãos
todes juntes
torrões
arroz com cogumelos
de terra temperados
destemperem-se
e sim
sim sim sim
com um pouco de sal
na ferida da pele
temperem a terra
com o calor do corpo
mastiguem a terra
com seus dentes galeanos
teçam tecidos de grãos
nos cabelos das meninas
sibilantes raíssas
silva de silva e silva

o que diria
judith butler
ou quem sabe
uma carta
de julia kristeva
dá pra buscar
num ensaio de
donna haraway
uma resposta
um caminho
uma via
a raiz
do problema
das raízes
doentes y fúngicas
dentro dos vasos
de plástico a terra
adubada y errada
não sei se
choro pela planta
ou fico feliz pelo fungo
alguém por favor
me diga
se sorrio ou se choro
que saída tomo
vão se acender as luzes
de emergência
pra esse meu dilema?

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

considere abrir uma janela
abra então os olhos
o vento roça a pele
o cheiro da comida
todas as janelas já estão abertas
as coxas trêmulas
denunciam o tempo
que dia é?
este corpo idiota pergunta
as nuvens anunciam a primavera
e teu corpo já troca pelos
renova-se
ainda que a tua resistência
seja um traço negativo
da memória
da experiência
vê o cabelo cair e nascer
novo e escuro, grosso
a pele hidratada
se desfazer couraça
como quem rega plantas
considere abrir uma janela
antes que o vento sufoque
do lado de fora

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...