segunda-feira, 11 de abril de 2022

língua do p

perseu me persegue pelas ruas
quer arrancar a minha cabeça e
despedaçar-me o corpo feito fosse
uma placa; quer aplacar-me os pés
e furar-me os olhos, jogar os meus restos
numa vala. perseu me persegue pelas ruas
me chama de puta me escarra a cara e me puxa
quer segurar bem alto minha cabeça
feito fosse troféu prova viva da sua verdade.
me pesca em cada esquina o anzol tentando
arrancar a minha língua
me procura e convence
meu pai, meu irmão, minha mãe
e até minha tia falecida
de que minha vida
minhas escamas
meu corpo
são dele
perseu

me persegue pelas ruas
me penetra a boca a língua
áspera me esgarça os dentes
quer se enfiar pela minha goela
alcançar-me as entranhas
e gritar que enfim minha vida
está em suas mãos
e me penetra com seus dedos
secos e me arregaça a pele
quer enfiar a mão e atravessar
desde lá debaixo segurando bem alto
a minha cabeça feito fosse fantoche
da sua perversidade. perseu me persegue
me pede que lhe implore que lhe peça
pelo amor de deus lhe impeça. perseu me
persegue pelas ruas quer-me
arrancar a cabeça quer-me apagar as pegadas
perseu me persegue, mas ainda me paga

— caçada implacável
monstro contra monstro —

cabelos revoltos
penetro-lhe os olhos
arregalo-os sem
nem mesmo tocá-los
(não sabe?)
toda serpentes
pendendo feito pérolas
no pescoço reluzentes
me volto e lhe pego
rasgo-lhe fundo a pele frágil
desde os pés pequenos
passo e penetro
o tronco todo o seu corpo
pequeno
perseu em pedra
eu fúria caudalosa
rio

segunda-feira, 4 de abril de 2022

na minha cozinha crescem flores de manjericão
te digo com tanta certeza e em tamanho transe
que nem mesmo entendendo tua pergunta-resposta
mas são mesmo flores? e eu não sei te dizer
sorrio disfarçando e respondo-pergunto
se parece flor não podemos chamar de flor?
mas gostas mesmo é de certas precisões
és curioso sobre tudo e queres saber
tudo mas dessa vez de novo me concedes
se a chamamos assim a vida inteira
e me sorris um sorriso meio pontual
o rosto suavizado pelas rugas que te invadem
e tu nem percebes os caminhos que te formam
feito maracujá em flor todo se-abrindo-fechando-se
no quintal de uma casa em minha infância havia
um pé de maracujá que protegíamos sempre das larvas
que se alimentavam vorazmente de suas folhas
deixando o triste tronco-trepadeira se envolvendo em si
e por mais que amasse maracujá o pé a flor e sua fruta
perguntava a meu pai se de vez em quando a gente não poderia
deixar viver a lagarta e eventualmente ter no quintal a borboleta
nossa nova coinquilina colorida até mesmo de azul uma cor tão rara
na enorme cachoeira única-coisa-a-se-fazer da cidade em que nasci
viam-se tantas borboletas imensas dançantes e quase sempre azuis
feito um encantamento onde tudo é verde ou marrom até mesmo as águas
que borram toda a paisagem e a vida quando é tempo de chuva intensa
e o que tem as flores do manjericão? me perguntas-tempo-presente
podemos usar para temperar o macarrão respondo-tempo-presente

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...