terça-feira, 22 de agosto de 2023

meu dedos deslizam
pelas tuas têmporas
macias quase
adormecidas
são temporais
quase acordas
é nosso desacordo
esse descompasso
se vou para um lado
não pisas no meu pé
uma década distante
deslizo meus dedos
pelas suas têmporas
quase macias
acordadas
há um temporal
quase adormece
é nosso acordo
essa falta de compasso
ainda não passa e já
está distante de mim
há mais de década
o primeiro amor
e então o amor
primeiro
o mesmo corpo
agora outro
em algum momento
meu dedos deslizam
e acordamos
atemporais

(kristen stewert como diana spencer)

 ela precisa voltar. subir as escadas. cada degrau. a subida não é longa e ela conhece cada passo. conhece-lhes a medida exata. e sabe da potência de suas pernas. indassim. o pé vacila. a madeira está podre. nada a sustenta. então é preciso. aprende a voar. relembra as borboletas. e a própria leveza. o próprio voo. a leveza do pé de menina. sua firmeza. aí a única saída.

e atravessa

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

a maioria de nós quer
lembrar a primeira
e a última vez
o primeiro beijo
a última transa
o último abraço
a primeira vez que
comeu aquele prato
de comida naquele
lugar que você ama
e eu me lembro ainda
a primeira vez aliás
as primeiras vezes
que tivemos
e lembro da última vez
penso sempre nela
porque não sabia
como raramente sabemos
que seria aquela a última
estou pensando nisso hoje
porque é agosto e o primeiro
agosto que vivi aqui foi
quando conheci o inverno
e não tinha roupa apropriada
nem mesmo para ficar em casa
me lembro a primeira vez
que num agosto de 2016
pegava dois ônibus pra voltar pra casa
e ainda não tinha uma roupa
apropriada para o vento que me encolhia
mas hoje eu queria lembrar
nos próximos anos
que foi o primeiro agosto
sem inverno e com isso
quero me lembrar e não consigo
quando foi que entendi vivamente
que tudo estava morrendo

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

infância

naquele tempo não havia relógios
mas tio paulo já tinha bigodes brancos
eram anos de subir em árvores
e apanhar de vara verde
de cócegas de barba na barriga menina
até o riso se tornar desespero de alegria
ali sabíamos da extensão do dia
pelas corridas pelo campo e a hora
de voltar do meio do bosque escuro
com as pernas cortadas apenas de leve
pelo mato alto e muito verde
sabíamos da passagem do tempo
pelo sangue que seca antes de escorrer
assim também conhecíamos a química
e o efeito oxidante do tempo no corpo menino
passávamos tardes inteiras com o sol
nas gangorras e nos balanços
foz do iguaçu era o mundo inteiro
te lembras talvez do dia em que descobrimos
que nossa cidade era impossível de se ver
no globo: toda aquela bola era o mundo!
mas já sabíamos ali mesmo no campinho
todo o mundo era uma bola na mão
e jogar com regras improvisadas recém descobertas
com a pele descobríamos a textura do mundo
com o caminhar das minhocas por nossos dedos
todo o movimento que tecíamos no vento
as mãos cavavam a hortinha em busca
da origem de tudo e para isso é claro
não nos perguntávamos nada
bastava o entendimento absoluto da curiosidade
e o mundo inteiro na ponta dos nossos pés sujos e macios
naquele não tempo não havia palavras

domingo, 6 de agosto de 2023

 para o tio Paulo

hoje deus foi mesquinho conosco
mas não contigo, tio
hoje reencontras teu irmão
tua esposa, e todo esse amor
que sempre exalou de ti
feito eterna primavera
florescias em tudo
tio-avô, tio, avô, fostes tudo
na organização do teu quartinho
ainda vejo teu chinelo e a camisa passada
que deixas te esperando voltar do banho
com aquele calor que acorda a casa
(agora, esperas por nós com tuas pernas cruzadas?)
fostes pai do meu pai quando teu irmão não estava
fostes pai e sogro e amigo da minha mãe
fostes tio, avô e amigo, de mim e do meu irmão
sempre tão solitário, tão ecoando teu sobrinho que também não estava
quantas pessoas couberam em ti, tio, teu sorriso os evocava, ecoava
(quem agora ajuda todos esses filhos e netos a desatar o nó da garganta, que trava?)
quanto deles viveram em ti e estiveram em vida por ti
quanto amor coube nesse teu coração, que enfim descansou
abrias nosso mundinho com tuas histórias de menino
de homem, mas sempre moleque travesso que vivia
pulando cerca, atravessando rios, colhendo mangas
e dançando até o pé cansar
teu sorriso era um docinho junto do café depois do almoço
a casa em silêncio dormia e teus passos miúdos moviam o mundo
mas
que mundo é esse que nos resta, tio
sem tua doce rotina, meu querido avô
sem tua cadeira de mangueira na frente de casa
sem teu olhar cuidando da rua pouco movimentada,
do movimento das mangueiras o ano inteiro
e da companheira lilly, cujas patas se moviam no ritmo do teu andar
que mundo é esse que nos resta, tio
sem tua voz pra nos fazer ouvir todos que nos faltam
te somas a eles, multiplicando nossas saudades
que mundo é esse que nos resta, tio
todo tão quieto e descalço
agora que você viveu

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...