quarta-feira, 15 de maio de 2019

no horizonte cinzento que pousa
sobre o mar uma nuvem espessa
se adensa e se adentra
na ilha e no continente
se espalha em tudo que é direção
meu corpo em cima da ponte não
sabe qual lado seguir: se me afunda
e me molha se entra em combustão
uma menina me olha ainda mais
perdida e confusa, com sua mão
estendida para ninguém, suspensa
estou certa de que não sou sua mãe
e de nada mais estou certa. me olha
(me acerta) e me diz que se molha
com a brisa salgada de fogo

minha mão já em chamas

sábado, 11 de maio de 2019

lagarto

como eu
decido, enfim, que é hora de trocar as plantas de vaso?
arrumo toda a minha sala para que tenham espaço
para que bem no meio caiba toda sua terra feito
fosse um terraço, e toda terra nova feito fosse
o recuperar-se dum vulcão ou duma era de
gelo. espalho-as pelo chão de taco, resquício
de uma madeira outra, de uma vida outra
que se embrenha na minha e nas delas
todas; espalho-as pelo chão de taco
para tocar suas raízes, vê-las expostas e
respirando. com olhar clínico, espalho-as
para enxergar novos pontos de cesura
onde passará a tesoura feito um bisturi
os dedos sem luva sentindo sua pele nua.
a terra feito sangue jorrado no chão não é
hemorragia, não, mas placenta que se sente
renovar em minhas mãos. escolho o melhor
vaso para colocar cada uma delas. analiso
o perfil desta e daquela, vejo se seriam boas
vizinhas, se emprestariam uma xícara de açúcar
ou duas colheres de manteiga, se compartilhariam
o bolo de aniversário, um pouco da farta janta
de natal e o barulho da vida que continua. há aquelas
que são elas mesmas uma comunidade inteira
reservo um espaço dentro de um vaso único
onde replantarei seus bulbos e raízes até então
intactos. lavo os vasos. retiro o excesso das
raízes. preparo a terra. arrumo o terreno.
encaixo-as, posiciono-as, feito fosse um projeto
arquitetônico: cada planta uma parte de vida que
se projeta para o futuro e que projeta no passado
esse momento que vivo e depois reescrevo. cada folha
evoca a lembrança do desabrochar de outras flores, o
despertar da semente na terra úmida num dia quente,
o amadurecer de frutos que ainda não foram gerados.
nesse momento, me percebo, inteira: raiz, caule, tronco e
folhas, muitas folhas. espalhadas pelo chão, não as varro.
deixo-as transformarem esse taco na planta que já fora
e que voltará a ser. nesse momento, vejo meus frutos
e suas sementes, alimentando minhas raízes, fazendo cair
minhas folhas. às minhas raízes não permito o sufoco.
toda nova escavação é um solo e lençol que irrompo.
e você, o que achará dos meus frutos que já tantas vezes
comeu?

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...