sábado, 24 de dezembro de 2022

neste natal
me preparo
para amanhã
domingo
sem família

2h que minhas mãos passaram
amassando enrolando
misturando cortando
cozinhando gelando
secando guardando
não reconheço o
poder de cada mão
o que há entre a unha e o
dedo é um pouco
de tudo o que não sei

minhas mãos não lembram
a receita que há tanto tenho errado
e as mesmas mãos encontram
na ponta dos dedos a receita
(a tela luminosa me avisa:
vai ovo)

o que comem os veganos
as veganas es veganes
vi uma receita no tiktok
que ensina a fazer um peru
que parece peru e é fake
mas é news
e como é bonito
enquanto se parece
com o que não é

minhas mãos reagem
escolhem algo mais que ver
uma memória falsa
natal do ano passado
me acompanhavam as mãos
um drink e umas luzes
que desta vez esqueci
de pendurar

é que
não há mais paredes
móveis ou plantas
em que me apoiar

como me pesam os anos destes
peitos meio fartos
de tudo
me atrapalham o movimento
dos braços e balançam
com o caminhar
um ritmo todo seu
me pesavam sua juventude
flor que desabrocha
dente que nasce
o corpo
não aguenta o corpo
ainda
tudo isso
dentro
tanto
peso

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

a tua janela que há tanto não olho me olha
duros anos os que marcaram o espanto
com que a olhava a te procurar de esguelha
ou o teu gato marcando encanto na rua vazia
o sol a pino não sei se me cega a lembrança
do teu gesto ou o reflexo na janela de onde vivias
com a tua família e eu sempre a vagar pela vizinhança
vago ainda feito oferenda a iemanjá dia primeiro
e me lembro dos nossos pés fincados era janeiro
a praia vazia de tudo ecoava a minha voz e o teu
olhar sereno de quem pouco pouco me suporta
- e ama, não me dizes nunca, mas, como poucos, amas -
aperto o olhar e diminuo o passo pra ver se sou eu
quem falta na janela uma mão que bate à tua porta
(vacila a memória: é fictícia: eletrônico, o portão)
a tua janela hoje: aluga-se; a placa, a janela - é uma porta
fechada fechada
eu passo como quem não quer nada
e quase me atropela um caminhão
as sacolas vazias: não há mais rimas

sábado, 3 de dezembro de 2022

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...