quinta-feira, 29 de março de 2018

vapor

semeia-me o mar, amor
para que eu coma
dos frutos e flores
azuis como o ar
e viva de ser dor
adormecidamente

semeia-me o vento, vida
para que tu venhas ver
e ser um pedaço de mim
e então te tornes fluida
tão naturalmente

semeia-me, fogo louco,
com tuas chamas negras,
inflama meu véu rouco
para que eu queime
cada parte do meu ventre
ecoando um canto
alucinadamente

semeia-me o pranto, anjo
para que a gente se esqueça
que do outro lado do mar vivido

só tem mais mar a ser vivido;

e vive-se aqui, o mar daqui,
um pouco de mim e de ti

na semelhança as diferenças se encontram
como todas as cores no branco

morre-se aqui, assim,
sozinho e sem perigo
feito semente em umbigo
de bebê recém-nascido

sábado, 17 de março de 2018

retrocedo

(se me pisas, é de olhos bem abertos)

cedo-te aos desejos sem receio
teço-me em teus enredos
cerco-me em teus freios
desconheço o medo
e quando me canso
e quando digo nunca mais
às tuas torturas tiraníssimas
teus tamborilares
em minhas carnes macias
apenas titubeio
tenra a derme, enlouqueço
em teus dedos couraçados
entre um timbre e outro
da tua voz descansada
(o meu estremecer)
e em tuas costas aladas
de anjo caído e perverso
adormeço desassossegada
sonho um véu vermelho
teus lábios túrgidos mordendo
meu ventre túmido
de mulher sadia

acordo para um céu de aço
tendões (meus)
dedões (teus)

encalço

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...