segunda-feira, 30 de abril de 2018

enquanto o sol nasce

sonho um jardim cimentado em rosas
de todas as cores que crescem em tom
desabrocham laranjas, definham violetas
-- o fim de um pôr-do-sol

bem no meio, em pé, rodeada de folhas
e cal, e minha mãe que me olhava
(ternura nenhuma, inquisição impura)
seus olhos mais claros que as folhas
das roseiras; espinho nenhum
-- o sol que nasce atrás da minha cabeça

parada perdida pronta para decifrar
tantas cores, rosas que não sabia se eram minhas
contrastavam com a cal em minhas tranças
o céu cor nenhuma e uma casa ao fundo
onde ninguém morava, onde ninguém vinha
imensidão grotesca do impuro

todas coisas a mim desconhecidas

eu sonhei o jardim de rosas cimentado
eu sonhei o mar violento, meu sobrinho coroado
eu sonhei os cachorros do meu irmão latirem para mim
eu sonhei as pedras menos preciosas dum hippie chinfrim

de todas elas, nem amazonita nem família nem pétalas
eu pude colher
de todas elas, nem amazonita nem família nem espinhos
eu soube dizer
de todas elas, nem amazonita nem gente nem espinhos
eu pude escolher
de todas elas, nem pedra nem gente nem espinhos
eu soube reconhecer

despertador que não encerra esse sonho púrpura
-- no meio do céu, bem escura, a lua pura

quinta-feira, 19 de abril de 2018

de vagar (ou o parto)

não me cortem as asas,
'inda que despetaladas,
deixem-nas como estão:
asas que não dão voo
alto ou de sã direção,
que vão sem sofreguidão:
um voo vago, voluptuoso
que vem e vai por veredas
(um grande sertão) que vê
um homem no chão - não,
uma mulher - no chão; verdes,
o entorno e os que vêem,
vagantes e vigilantes,
vêem-me a alma.
vem e me acalma
outro voo vão, alucinação
também vã, mas ainda
mais ainda vos peço,
última vez, última voz:
deixem-me as asas, partidas,
para que nelas me possa partir
sem que me estorvem o voo:
não me cortem as asas
já que voo feito pavão
e voo pelo povo
e povoo o meu sertão -
vai-e-vem da minha solidão.

{ ~ 29 - 02 - 18 }

terça-feira, 10 de abril de 2018

(in)quietude

dispo-me, a roupa
no chão, a luz cega
da janela, um reflexo
de sol, um fim de tarde
ameno, é verão

suponho, abro mão
das tuas conversas, o vazio
a me assombrar, as noites
silenciosas, as brisas de mar
entram, sem pedir
se é hora, é de partir
o coração, esses nãos
bem-ditos, mal-ditos
os teus quereres, superiores
aos meus, nem pensar
em te dizer, (in)feliz que
ao menos é verão.


{ 10 - 03 - 18 }

segunda-feira, 9 de abril de 2018

mulher de lot

pesam em mim, feito pedras, os ombros
rígidos, plumosos, escombros
de uma imensurável leveza
que, com tanto pesar, se preza
e se leva, ainda mais leve
feito impuro floco de neve
muito fúnebre e decadente,
tanto incômodo, impotente,
- uma desgraça realmente -
quanto dele já se esperava;
e se leva. nunca mais leve.
faz-se, ainda, uma ressalva,

que é de pedra e sal a estátua
(tão alva e pura, mas fátua).

monólogo fugaz
de nossas fugas
(crescem-me rugas).

pobre de mim -
pulmões e rins
- pobre de mim
a cada pranto
- o meu canto! -
estou um tanto
mais miúda.

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...