segunda-feira, 22 de novembro de 2021

[movimento primeiro]

chegastes, um cavalo selado,
a oportunidade-ápice
da felicidade
a novidade última
quer dizer, a eternovidade
chegastes, cavalo selado,
o arco nas costas faz-te
cósmica criatura alada
não o apontas, nem tuas flechas
paras as minhas feridas
me olhas vendo-me toda
me olhas dizendo-me
"tudo é caminho"
e cavalgas
eu que até agora afundada
aqui, me cria criatura marinha
aqui me criava nas águas mudas
mas tu cavalgas
e na tua língua o fogo-acalento
A Verdade
jamais absoluta, me explicas
e desta vez me explicas dizendo-me
me colocas no teu colo
e contigo cavalgo
como é vago e vasto
o mundo no teu flanco
o mundo sob tuas asas
as flechas, explicas adivinhando
o meu olhar e o toque  perigoso
curioso das minhas mãos e dedos
"as flechas são não para ti
mas para mim, sempre
um pedaço de mim
que atiro por aí"
pergunto-me silenciosa

 

[movimento segundo]


se és o filho
da Vênus
a eterna criatura
o Amor
me perscrutas
adivinhando-me
nova-mente
num sorriso
silencioso
fabulosa-mente
te entreténs
às minhas custas
eu às tuas costas
rio como as águas
que me a-fundam
começo a dizer
num grito
in-contido
cavalgamos
no mar!
contigo
tudo é passível
tudo é possível
mesmo quando
digo
és-me impossível
ris adversativa-mente
inadvertidamente
nossos corpos
o laço
cósmico


[movimento terceiro]

jamais o último
o caminho
se torna a constante
constelação
que te adivinho
nos olhos

sábado, 20 de novembro de 2021

2020-2022

sou grata
por tudo
o que sobreviveu
aqui sobreviveu
o que sobreviveu?
aqui sobreviveu?

sou grata
por tudo
o que
sobre
viveu
?

sou grata
a tudo
porque
sobreviveu
por que
sobreviveu
?

quase que
isto aqui
não sobrevive

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

não há poesia
eu me canso de te repetir isso
mas você me ouve tão con-
centrada em acreditar que
a poesia é algo dado
que se encontra facilmente
que basta olhar e lá ela estará
você jura que vê que capta
que se preenche de poesia
e enquanto te vejo toda
a ser preenchida não consigo
não pensar em poesia
que é isso: o que falta
a ausência mesma
não é uma essência
a poesia não é
um objeto uma paisagem
ela mesma não é
e talvez por isso
por essa incompreensão
do negativo
ou me parece que na verdade
pela inapreensão
do negativo
teu olhar toma nota e vê
(sophia não estava certa)
ou ainda pelo que se percebe
da tua rejeição
do negativo
é
talvez seja isso
o que não é
para ti
é impossível
e por isso
não com-
preendes
o que não é
quer dizer
a poesia

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

tu já reparou
eu pergunto
pra ninguém
em voz baixa
feito segredo
que a letra
não necessária
-mente tem
o formato do
som que ela tem
não é engraçado
a ideia de possuir
a letra tem
não é engraçado
que só algumas
palavras de algumas
línguas as ditas
mais bonitas
têm essa coincid
-ência têm
essa conversão
essa conversa
entre som
e forma feito
fossem poesia
não é engraçado
o silêncio
da tua resposta
me angustia
não é engraçado
eu repito
cada vez mais alto
o que será
mesmo esse
abismo

?

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...