segunda-feira, 28 de outubro de 2019

(enquanto você dormia; ou manhã de primavera)

adorado
coberto de ouro cor
da tua boca ao acordar
e dos teus olhos tímidos
ao levantar-me seguem-me
feito eu fosse estátua de gesso
adorado coberto de ouro úmido
teu couro macio a que chamas
de pele (a minha em chamas)
entre as divindades não te reconheço
és como o magma que permite-se
um vislumbre momentâneo quando
da erupção - magneticamente intangível
adorado coberto de ouro acobreado, cor
enfim a dos teus lábios quando
roçam os meus cabelos sonolentos
pela lembrança dos teus dedos
adorado coberto de ouro
é como te vejo quando
deitado em meus sonhos
te ouso tocar os pés
te ouço tocar os sinos
de mármore fundido em fogo
de paixão e fúria (a nossa filha)
adorada da cor da minha
peregrinação incessante
pelo onírico espaço entre teus joelhos
recém amanhecidos de vida:
epítome da nossa preguiça
amálgama de pérolas incrustadas
de sal e alga marinha
de fervor dourado
dos nossos olhos (a ira)
acobreados

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

perseu me persegue pelas ruas
cheias de putas, me escarra a cara
me persegue e quer arrancar
a minha língua
mastigar a minha língua
e fazer uma colagem linguística
da sua na minha
me persegue
e me apaga
mas ainda me paga
um dia
ele me paga
vou correr com a cara escarrada
e responder aos berros
o quão escabroso é
um sujeito desse jeito
assujeitado assujeitando-
me viro toda empedrada e lhe atiro
uma serpente ao peito
que não lhe acerta
 caçada implacável
minhas sombras alcançam seus pés pequenos
e ele me olha pequenino e perverso
um puto dum pobre coitado
e eu, pobre e muitas vezes coitada,
ou cogitada para coito,
só conheci açoito
e minhas garras afiadas
minha voz desafinada
é um monstro contra outro?

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...