sexta-feira, 27 de julho de 2018

“Escuta, o passo breve das coisas
 — ainda mais breve que tuas janelas — 
o suspiro que sai do teu olhar
chama um nome imediato: a tua mulher.
É feita de sombra e ciclames
te pede teu segredo
e não o sabes dar. Com as mãos
afloras perfis de uma longa série de signos
que se chamam rimas. Abaixo, crês,
a presença veraz de folhas;
um incrível caminho
que se verte em meta de coragem.
Devastadas estão as tuas ânsias
como devastações de uma colina natural
que tenha embriões de luz,
fincada no terreno macio
e o fechamento do pântano espesso
no qual afundam as sereias,
que têm o maléolo de ouro
e a voz melosa. Tu, ó Escamândrio,
que vedas ao pai a ávida vista,
reclamas as sebes da Grécia
onde o Minotauro salta
em busca do tesouro.
Não sejas penhasco ou prece
ou qualquer coisa que se assemelhe à varanda
onde Julieta implorou um céu de morte
e uma morte de céu.”

{Poema sem título, da coletânea “La volpe e il sipario”, de 1997}


Ascolta il passo breve delle cose
-assai più breve delle tue finestre-
quel respiro che esce dal tuo sguardo
chiama un nome immediato: la tua donna.
È fatta di ombre e ciclamini,
ti chiede il tuo mistero
e tu non lo sai dare.
Con le mani
sfiori profili di una lunga serie di segni
che si chiamano rime.
Sotto, credi,
c’è presenza vera di foglie;
un incredibile cammino
che diventa una meta di coraggio.
{disponível aqui}

tramonti tra i morti

caros,

enquanto de vocês só me restam silêncios
converso com os mortos, os esquecidos
diálogos impossíveis que irão à exaustão
sobretudo, sobre tudo o que não
foi nem será: o que poderia ter sido
rainha das (im)possibilidades a me coroar
entre os mortos, os deslembrados
a mulher refutada
aquela de quem se desvencilha
a mulher vencida
aquela que não se vê nos retratos
de família
entre os mortos (entre tantos!),
entretanto, não passo despercebida
sou recebida de braços
e bocas abertas

o corpo fechado

terça-feira, 24 de julho de 2018

letture

arranco-as

colho flores e folhas diversas
de um jardim colorido que
não é o meu. está na rua,
para todos, de todos
feito de tudo o que há em nós.
os nós ligam
espinho
folha
e
caule
nós que interligam
a estrutura complexa
de uma rosa (aquela que
ninguém jamais soube dizer o que é)

colho-as e carrego-as em meus braços
de mulher
avanço pelas esquinas (odores acres)
deixo cair, no caminho, pedaços
de mim, de minha colheita
se precisar, refaço meus passos
e recolho as folhas secas
os espinhos esquecidos;
e nunca reencontro
as flores despetaladas,
só sempre novas pétalas
em novas cores
odores
texturas
[tessituras, como bem se sabe]

percorro o ar matutino -- de vidro,
o nada às minhas costas --
me recosto num muro
(da terra) que dá para a minha casa
perpasso meus pés, minhas asas,
meus olhos; retorno às encostas
no escuro
onde encontrei esta sina
meu primeiro jardim
já não está mais ali
deu espaço a uma praça
que resgata e esgarça
minhas palavras
engata meus caminhos
escancara minhas folhas
onde encontro minhas pétalas
outras

segunda-feira, 9 de julho de 2018

tem alguém usando essa cadeira?

esta cadeira vazia
bem ao teu lado
propositalmente
vazia
nela caberia
meus calcanhares
e pernas de mulher
e nelas bateria
algum pé desavisado
do outro lado da mesa
(palavras deslembradas)

esta cadeira vazia
bem na tua frente
propositalmente
vazia
nela caberia
meu braços suados
de mulher cansada
de birra e gritaria
e por eles passaria
um vento de nostalgia
que te arrepiaria a espinha.
mas estás tão distraída
mal vês a cadeira vazia
(espaços desmembrados)

esta cadeira vazia
entre vocês
três
propositalmente
vazia
quatro
esvazia a família
mês a mês
esta cadeira vazia
entre vocês
três
propositalmente
vazia
quatro
evidencia a menina
sozinha no quarto
chorando soluços surdos
esta cadeira vazia
entre vocês
três
propositalmente
vazia
poderia ser a minha


mas é para a tua bolsa
e as chaves do carro
que espera vocês na rua, gelado.
(metal desmemoriado)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

jiboia

bateu-me um vento sul
passei a noite interminável
esperando pelos raios
que me enchem e iluminam
me atropelam de vida
e não me intimidam
passei a tormenta permanente
esperançosa nos feixes
que de mim se apropriariam
me tomando pelas raízes
caule (dourado)
folhas (de esmeralda)
e não me dessubstanciariam
passei os terríveis clarões
esperando que os trovões
as rajadas cessassem e então
aparecesse novamente
a bela Sigel; mas aguardei em vão
 
chamam-me hera-do-diabo
e eu -- divina, entre Deméter
e Perséfone -- resplandeço
em verde e suave ardor

o dia nasce sem rumor
e eu, só à janela, sem teu calor
perco meu áureo vigor

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...