sábado, 30 de março de 2019

a luz divina que é nossa tragédia

maior que os astros: os raios
de sol mal te tocam e
tu lhes atravessa, à
lua te banhas estrela
tens a cauda de um cometa
e não cometes pecados
tens o sorriso esboçado
és todo irradiação
um sonho ultravioleta
sol capaz de te fazer
pequena nenhum, de todas
as mulheres, és a eva
e dos homens, és adão
és o primeiro; de todas
as ervas, um anis como
um jasmim: todo estrelado
és um ponto branco nu
luminoso no vazio
azul do universo, na
relva empoeirada dos
dias de trabalho sem
poesia, és um ímpeto
furioso de torrentes
marítimas celestiais
e eu, ínfimo, uma menina
nenhuma ninfa me deixa
seguir teus rastros cometa
'indassim m'encontrarás
e m'arrastarás par'os
astros que bem mal me olham
tamanha a tua
culpa

terça-feira, 26 de março de 2019

travesti

uma bunda
todo mundo quer
pra chamar de sua
até uma bunda suada
todo mundo quer
gritar olha que rabuda
a mulher que passa
uma bunda lisinha
todo mundo quer
ver de sainha ver de
calcinha verde
uma bunda empinada
é de deixar a homarada
de boca aberta
mas sempre tem um bocaberta
pra falar merda
a mulher rabuda se enraba
e enfia a mão aberta
no sujeito cara mole
a voz grossa arrebata
os olhos do bocaberta
que emudece e não bole
com mulher de respeito
ganhando a vida honestamente
num domingo varejeiro
uma bunda todo mundo quer
e cu, todo mundo sabe, é tabu

quinta-feira, 14 de março de 2019

14M

mal consigo engolir esse pedaço de ameixa
o azedo se transforma em amargor e se espalha
por toda a minha boca e me arrepia a espinha
quando eu cheguei esta árvore já estava assim
não a vi crescer sorrir florescer sombrear acalmar
não a vi fincar raízes profundas e encontrar lençóis
d'água embaixo de pedras e mais pedras quase um morro
quase que eu morro só de pensar nessa ameixa
não consigo engolir porque me engasgo e engulo
salgado um suco novo que não percebo de onde vem
os meus olhos cerrados as ameixas pareciam tão macias e vindouras
mal a aperto na mão e eu também me desfaço em explosão
de suco e bago e caroço eu não sabia que ameixa
dava semente eu não sabia que ameixa dava semente
o meu corpo todo endurecido enrugado com-
penetrado por uma brisa um sorriso um eco que vem de longe
começo a rachar e meu corpo inteiro treme de emoção
eu me arrepio sem pelos e lembro que não sou pêssego
começo a rachar e meu corpo inteiro pensa nos lençóis
que a ameixeira trouxe pra dentro de mim quando me fez
carne macia e azeda caroço duro enrugado com semente
antes eu rolava pelo morro e agora eu sou ameixa
pronta pra virar ameixeira - mas infelizmente - longe da tua sombra
uma ameixeira que dá fruta amarela e dá fruta roxa

sexta-feira, 8 de março de 2019

8M

nem bótom
nem batón
validam meu corpo
(o meu corpo)
na rua
ou fazem ouvir minha voz
ecoando na rua
ou amarram minha mão à tua
na rua gritando alto;
nem bótom nem batón
me obrigam a ficar em casa
calada, recatada
glitter só do fogo dos meus olhos
e é com meus pés que me levanto
e caminho
e atravesso a rua
e espero o momento em que o sinal
ainda fechado
me dá uma brecha
e com meu corpo
(o meu corpo simplesmente)
eu avanço
e é meu corpo que pula
e é a minha garganta que em chamas
grita bem alto
não sou pacifista
quero jogar bola com cabeça de fascista
e é na minha cabeça, de cabelos soltos
as serpentes enlouquecidas
o suor escorrendo pelas têmporas,
onde o jogo começa
e eu grito gol;
nem batón nem bóton
maquiam, decoram, distraem
meus olhos do caminho:
eu piso com força
o meu corpo inteiro engajado
como se minha força sozinha
pudesse soltar as placas tectônicas

e avanço, mesmo que devagarinho; é por élle, que vive, hoje e sempre,
que é semente,
que eu me levanto e caminho e atravesso e grito e pulo e solto as serpentes e suo
todo o meu corpo
na rua
que é minha

na minha cidade há uma rua em que os carros param e parecem à beira do abismo esperam o semáforo e dali pra frente é só pra baixo rumo ao ho...