quinta-feira, 29 de março de 2018

vapor

semeia-me o mar, amor
para que eu coma
dos frutos e flores
azuis como o ar
e viva de ser dor
adormecidamente

semeia-me o vento, vida
para que tu venhas ver
e ser um pedaço de mim
e então te tornes fluida
tão naturalmente

semeia-me, fogo louco,
com tuas chamas negras,
inflama meu véu rouco
para que eu queime
cada parte do meu ventre
ecoando um canto
alucinadamente

semeia-me o pranto, anjo
para que a gente se esqueça
que do outro lado do mar vivido

só tem mais mar a ser vivido;

e vive-se aqui, o mar daqui,
um pouco de mim e de ti

na semelhança as diferenças se encontram
como todas as cores no branco

morre-se aqui, assim,
sozinho e sem perigo
feito semente em umbigo
de bebê recém-nascido

Um comentário:

  1. o trechinho é de "bodas de ouro", da szymborska, terceira estrofe, onde se lê "o sexo fenece, os segredos se consomem / na semelhança as diferenças se encontram / como todas as cores no branco"

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