segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

há monstros que, da profundeza de suas arrogâncias e de suas soberbas, acabam por nos ensinar algo. um dia ouvi de um monstro - que, como todo monstro e todo deus, fora inventado por algum desavisado do perigo que é lançá-los na realidade dos homens, que precisarão ser salvos pelos barcos não-afundados das crianças e mulheres, das anas e das cristinas, de todas as clarices, e de uma infinidade de raios luminosos a quem damos nomes impronunciáveis como edna ou adélia, e submetemos certas elsas e elenas ou natalias e até mesmo elviras, quem acreditaria?, à existência nessa realidade nossa - ouvi desse monstro - que resolveu falar comigo em línguas, outra invenção nossa; escolhemos uma maneira complexa e absurda de traduzir pensamentos intraduzíveis, que existem por invenção nossa também, e que existem independentes em sua realidade imaterial e desprovida de complexidade pois desprovida de protótipos de tradução; línguas que por acaso eu compreendia a música - ouvi dele - que me olhava sem me atravessar, tentando me compreender em toda minha materialidade impossível e absurda, literalmente inacreditável e inconcebível; me olhava também me atravessando, exibindo toda sua super-imaterialidade complexa demais para meus olhos e meus parcos mecanismos de tradução - ouvi - buscando colher cada som como se fosse o bago de uma uva, que intento esmagar com a ponta de meus pés e transformar em vinho, um vinho que nunca fora água; colher cada nota como se fosse um pequeno glóbulo de amora estourando de madura e que ainda não fora encontrada por uma larva ou um passarinho, já que estão todos mortos na realidade desértica acinzentada que nos cerca nesse momento; pássaros e larvas que bicariam meus olhos e caminhariam sobre minha pele na realidade luminosa da qual eu não faço parte - ouvi que julgamos nossos deuses não por sua matemática, mas por sua poesia. (e um anjo safado surge atrás da minha orelha e sussura, para quem quisesse ouvir: e quem é que sabe a diferença?)

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