terça-feira, 9 de dezembro de 2025

na academia

a frieza da palavra
me toma como
uma lâmina
de ferro gelado
parece vidro
porque é frágil
mas me permeia
como as árvores
o vento

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

meu conforto é não pensar
mais em ti já não penso
olho no calendário a data
e me esqueço teu aniversário
não ouço a tua voz
nem vejo as tuas mãos pequenas
tocando meu rosto
meu conforto é te enterrar
no mar em meio às ondas
e sentir-me os olhos marejados
a boca salgada de esquecimento

domingo, 16 de novembro de 2025

nunca vi por aqui um vulcão
mas a terra vermelha que entra 
debaixo das minhas unhas é vulcânica
— o tempo atravessa e me toca a sola dos pés

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

inventar uma nova palavra
inventar um novo mundo
traduzir uma brincadeira
que insiste em existir
na floresta da tua língua

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

me colocaste no mundo
numa tarde quente e úmida
de novembro do teu corpo
expelias corpo e sangue-escuro
enlameando a terra por onde
eu caminharia não feito cria
feito flor feito íris-caminhante
pelo jardim dos teus dias
cortaram o talo que nos unia
a minha carne feita da tua carne
já não podia viver de ti
era preciso ser árvore
crescer explorar o solo vermelho
a areia o mar e quando dei por mim
nessa transformaria
te fizeras passarinha
desde o princípio foras feita para o ar
estou escrevendo para você de dentro de um corpo que era teu. — ocean vuong

então ajusto o timbre
que a voz é minha
a voz de menina
que não sabia
quando parar 
de falar 
então falava
sozinha
aos cotovelos. 
estrilo de alegria
e me calo em reverência
quando pela primeira vez 
coloco os teus sapatos
uso as tuas roupas
queria apenas ser outra
e tu era quem estava ao alcance. 
então ajusto o corte 
que o texto é tecido
e quero costurá-lo
à medida do teu corpo
onde já habitei
dali de dentro 
onde hoje cultivas
rosas sem nome nem cheiro
brota tanta vida
se prolifera em células enlouquecidas
a tua vida
que gerou a minha 
e hoje existe neste meu corpo
que tem também a forma do teu.
então escrevo para que neste corpo-tecido
existas a partir de mim, para que de mim saias
e habites também este Aqui
para que em mim te demores
toda a vida, explodindo os meus Alis.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

se eu fosse confeiteira
te faria um bolo
de milho
bem amarelinho
como as tuas rosas
mais cheirosas
um bolo como uma vida inteira
por cima decoraria
com pipoca doce
feito o grão 
que explode
em vida

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

 para a minha mãe, paciente oncológica

 

é preciso o instrumento certo.
as mãos sem luva mesmo
com atenção extrema
tomam o ancinho
o podador, a serra...
me pergunto com que delicadeza
posso abrir-te a barriga
para começar a trabalhar
no teu jardim secreto
e tirar tudo o que 
explode
a vida;
com que delicadeza posso
entrar-te outra vez no ventre
encontrar as raízes e
deixar-te ali somente
as tuas queridas rosas,
extirpar-lhes as formigas famintas;
deixar-te ali somente
o perfume do dia ameno
a luz dos vagalumes
e o canto de uma ave rara;

com que delicadeza posso
deixar-te semente
para que brotes infinita
em vida?

terça-feira, 7 de outubro de 2025

nasci na beira de um rio
numa quarta-feira de novembro 
quando o verão ainda era ameno
vim a este mundo chorando 
lágrimas sempre grossas e salgadas
— oceânica

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

me pergunto por que
insisto em ler em ver
visitar acompanhar
tirar fotos escrever
por que tantos registros
se no fim eu vou
me esquecer

domingo, 21 de setembro de 2025

no sonho há
a memória
de outros 
sonhos
me pergunto
quem se
lembra delas
que memória
elas habitam 

na academia

a frieza da palavra me toma como uma lâmina de ferro gelado parece vidro porque é frágil mas me permeia como as árvores o vento