domingo, 13 de outubro de 2024

bolinhos de chuva da vovó

para minha Vó, cujos dedos sujos de massa estão nessa forma
para minha Mãe, que me disse que eu precisava aprender
para Mari Vogt, que nunca saberá por mim desta dedicatória

Você primeiro
pega uma vasilha velha
que nem lembra de quem é
ou como a quebrou
Então
os ingredientes
arranjados nesta
proporção
mas pode alterar
se quiser
basta
dar o ponto
10 colheres bem cheias de farinha de trigo
5 colheres não tão cheias de açúcar cristal
1 colher de pó royal
não sabia que a tampinha servia pra isso
as pessoas vão descobrindo coisas
3 ovos de preferêncai bem amarelinhos e firmes
para que o bolinho saia amarelinho e firme também
vai misturando e acrescenta
água
aos poucos
até
o ponto
Em óleo fervente
porque você deveria já ter deixado o óleo esquentando
testa com o palito pra não desperdiçar massa
Essa parte é muito importante
Eu não sei fazer a bolinha
as da minha mãe eram perfeitas
As minhas
têm pontinhas
o movimento da mão
(ela não sabe que me diz
o seu dedo a delata)
é fundamental
 (ali o seu erro)
Pega meia colher bem limpa
de massa
bem rasa
e com o dedo põe no óleo fervente
sem se queimar
(ela me repete desesperada
eu que já me queimei tanto)
(O seu toque especial é
limpar o dedo
uma segunda vez
criando a pontinha
o acréscimo de massa
que se mistura
à fritura)
(A bolinha pré-formada abraça
a pontinha e frita por inteira
Perfeita)
E tira quando estiver bem bonita

domingo, 6 de outubro de 2024

(libido entre criadora e criatura)

ora thiago falando de frankenstein

entro
nos teus lábios
observo cautelosa
a flor que se abre
entre meus dedos
toco a carne
da tua boca
desdentada
crio espaço
no pulso do teu
coração que hoje
especialmente para mim
não sangra
me espera
ali dentro
não crio
poderíamos
querendo a natureza
procriar
eu com meus dedos
em mim
fazendo nascer
o poema

a minha língua se dobra
se parte ao meio e ocupa
duas bocas
me quebra em línguas
o corpo é este
queimado e com uma leve
esfoliação a pele lisa
a língua desdobra
invade memórias e cobre
o que sobra da vida
come areia e terra
vermelha
cheia de r
a língua de cobra
me cobra
uma bifurcação
a vida em duas
partes inteiras
sempre
fora do lugar
o pé vermelho
na beira da praia
sem saber se arrasto
ou enrolo
a língua
em latossolo
vermelho vulcão
ou em pequenas
conchinhas
fragmentadas
 

sabe de sal arenoso
as pontas da língua

terça-feira, 1 de outubro de 2024

como é que se quebra
um poema
em versos
tão pequenos
que caibam nas tuas mãos
para que possas pegar
sentir-lhe as arestas
e ver o sangue correr
com vida
de cada esquina
do poema-caco
de vidro e cheio de lascas
de madeira — não terias
nas mãos um espelho
talvez
uma velha bola
de cristal
com anjinhos e falsas
neves dentro
dos dias da tua infância
pronta pra rebentar

na academia

a frieza da palavra me toma como uma lâmina de ferro gelado parece vidro porque é frágil mas me permeia como as árvores o vento