quarta-feira, 3 de maio de 2023

a academia era o último lugar
em que esperava encontrar,
com corpos suados
pulsantes em movimento
tão vivos e arfantes,
o fantasma de ti
me olhas de esguelha
e eu corro tranquila
não creio em meus olhos
cansados nesse ambiente
tão iluminado
daqui tudo se vê
estás sentado
e tudo está errado
trabalhas costas mas essas mãos
jamais me seguraram o rosto
enquanto me beijavas sereno
o que houve com teus cabelos
sempre tão lindos e sedosos
agora não passam de uns fios
sebosos de corpo há muito enterrado
e quando me olhas de esguelha não sabes
se me reconheces ou não
se já me esquecestes
vejo que finalmente trocastes
teus óculos cansados
então é claro que não me vês
estranho teu perfil
tua barba feita assim
enfim te viras por completo
caminhas na mesma direção que a minha
e corro mais rápido
noto que com certeza
não é tu, ali
em carne e osso e suor
aquele rosto tão comumente largo
sem a elegância e a harmonia
do teu, tão fino e alongado pela barba
com destaque ao teu nariz
que já é grande
assim sei que não me farejas
porque não é tu, ali
de camisa branca
que sempre te caiu tão bem
e agora mais parece um trapo lavado
num corpo menos cansado que o teu
de tênis, e tu jamais usaria esses tênis
mas não creio em meus olhos suados
então corro mais rápido
que é pra ver se te alcanço
enquanto te fujo
mas não é tu, ali
se ao menos meus olhos não me traíssem
e já meus pés não me alcançam
gasto a máquina
paro os batimentos
estatelada no chão
fluindo pra todo lado
tenho certeza
de estar viva
mas tu, ali, não

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