quinta-feira, 12 de maio de 2022

nunca imaginei que poderia ter
um bolo inteiro só pra mim
e que poderia comer
de colherzinha
lambuzar o corpo
todo e me lamber
até morrer
nunca imaginei
que uma fatia
pudesse durar o tempo
de uma vida
e que eu me lembraria
e que eu me lambuzaria
feito criança no próprio aniversário

ou feito a rafa
naquela festa em casa
não sei se tu lembra
ela comendo bolo de laranja
de colher, direto da forma
tava sentada num canto da sala
e nem era a mais bêbada de nós
e naquele momento
a boca com creme de limão
e farelo de bolo
um sorriso meio torto
de felicidade genuína
felicidade de quem comia
não uma fatia
mas o bolo inteiro
todo o bolo cabia no seu colo
e era imenso
a textura macia
que só uma criança reconheceria
em qualquer momento da vida
mesmo depois de virar tequila

mas no fim do dia
no prato o que se tem?
as migalhas
de tudo o que comemos
o pão o queijo
um pedaço de tomate
que tu não come
farelo de bolo
já seco
olho pro prato e lembro
do bolo inteiro
nas mãos a migalha
e tanto


tanto espaço


o que restou e vai
faltando
 

geografia da memória


a barriga há tanto         vazia
mas se contenta
          ainda
com o prato vazio?
se contenta com o que vê
  e lembra            do sabor
tomando conta da boca cheia
a saliva e as       pupilas         gustativas
a boca agora seca
um meio sorriso
cheio 

             de dentes

 

a fome


o fim 

          de tudo

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