lembra?
daquele dia em
que comemos vidro
porque eu estilhacei
o pote de doce de leite
argentino no chão limpo
da cozinha fria no verão
tu lembra?
pergunto porque eu
estava me lembrando
do dia em que lavamos
a geladeira pós mudança
e cantávamos juntos leves
uma música da banda que
todo mundo fingia não gostar
mais porque pegava mal gostar
de uma banda com nome
argentino e homem branco
falando de mulher branca
e ninguém queria saber de
argentina brancos e brancas
a vida assim tão binária
mas juntos a gente cantava
despreocupado com o calor
que já começava a dar verão
tu te lembra?
esses são dias diferentes e
possivelmente são dias
diferentes de anos que
são também diferentes
mas é a mesma cozinha
ou a cozinha como entidade
também tem direito a entrar
duas vezes no rio sempre
pela primeira vez por ser
também ela cozinha diferente
tu te lembras?
da segunda vez provavelmente
já tinha na cozinha diferente
o filtro de barro que hoje
a gente chama de carluxo e ri
do filho do presidente
enquanto nossas bocas ainda
têm dentes pra se lhes fincar
os dias quentes e cada vez
cada vez mais cheios de dentes
tu lê no teu quarto o poeta
que pede pra que a gente
se lembre, quer dizer, que a gente
não se esqueça? como é?
enfim, um apelo à memória
pra não perder de vista o horror
mas hoje e ontem e acho que amanhã
também eu só queria ter em mente
atrás dos olhos úmidos embaçados
tu e todos os teus dentes de vidro
sexta-feira, 29 de outubro de 2021
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