quinta-feira, 1 de outubro de 2020

será o que será que será

será?
que quando toda planta que houver
couber em nossos apartamenos pequenos
em nossas janelas mal-ensolaradas
ou muito-esturricadamente-ensolaradas
nas sacadas de vidro e concreto
cercadas apenas dos animais
que salvamos: nossos gatos
cachorros e periquitos
um peixe solitário
num aquário de água
sufocante do que restou;
enfim nos sentiremos
aquilo que somos?

será?
que quando toda umidade do ar
evaporar de nossas lágrimas cinzas
de chuva ácida e óleo diesel
e nas plantas envasadas
pousarem apenas as moscas
que sobrevoam nossos já cadáveres
sedentas e sobrevivendo em
círculos pelo piso frio onde não
bate o sol, onde caminham as baratas
pós-apocalípticas; e toda brisa que bater
for de terral carregando nossos
estilhaços putrefatos conservados
em pequenos potes de plástico
enfim nos perceberemos
enquanto aquilo que praticamos?

será?
que outro dia que amanhecer
dourado reluzente de dor e morte
de poluição e queimada e fumaça
que vem de longe e entra pela janela
e a luz que afaga as pétalas as folhas
os pequenos raminhos nos vasos
for filtrada pelo apocalipse ecológico
que causamos e não paramos
porque continuamos: vivendo
será que enfim quando queimarmo-nos
e poluirmo-nos -- tudo o que há em nós --
em tons de laranja e cinza pútridos
então finalmente veremos claro cristalino
como num espelho de água que não possuímos
aquilo exatamente que nos torturamos?

então
nos veremos
enquanto
o que somos?
o que sempre fomos?
o que se está se tornando?
o que será que seremos?
o que será que será se será?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

das conchas

todo ato de fala verdadeiro é um gesto de coragem e nada mais forte do que ser                                                       vulnerá...