sábado, 6 de junho de 2020

leite derramado

preciso de um papel ligeiro
leve como se fosse de um livro
velho e desgastado por levar
a muitas mãos algo que fazer
preciso deste tipo único
de papel que não se encontra
mais para dizer sobre você
como nasceu e onde viveu
quem te bateu e puniu
por tudo que lhe fez
preciso de um papel ligeiro
para escrever e me pergunto
o por quê já que ninguém
lê aliás ninguém
me lê
aliás ninguém mais
sabe de você porque não lê
e se eu soubesse pintar
ou desenhar fazer colagem crochê
precisaria deste mesmo papel ligeiro
para bordar na superfície
atravessar com a agulha do pincel
as palavras que fizeram você
esquecer quem é ou melhor
que fizeram você pensar quem é
e eu pegaria este papel
e o amassaria muitas
vezes depois que você o lesse
porque eu preciso apenas
que você entenda se
é preciso mesmo
alguém vir
te dizer
quem é
você

(como se seu sangue tantas vezes
derramado não cantasse
seu nome lembrando
penetrando a terra
subindo pelas árvores em seiva
queimando no sol sua pele morena
bronzeada com sua marca)

[ como
se sua língua tantas vezes
cortada não tocasse
cada dente seu
atravessando os espaços
certificando-se que ainda
está em casa em sua
boca ]

{
como se seus olhos suas mãos
a ponta dos seus dedos
não reconhecessem
esse papel
lido e relido
porque foi você
quem escreveu
e escreve
a história que vão contar
}

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