quinta-feira, 11 de junho de 2020

há já não sabemos mais quantos anos escavam
novos solos em pompeia em busca incessante
por novos afrescos e pedaços-lembrança
de uma gente e sua vida esquecidas
escavam escavam escavam remexem
a terra e reviram o solo em busca de algo
novo para relembrar a tragédia-crença
de quem, crê-se, não teve tempo de salvar
a si e seus entes queridos e seu tempo
suspenso eternamente em afrescos
coloridos de vermelho amarelo
às vezes até azul e verde
escavam com cuidado que é para que
os afrescos sejam preservados e possam
ser transferidos para as paredes do museu
onde ficam organizados em salas com suas
plaquinhas de letras miudinhas que tentam
tatear um passado intocável inalcançável
ainda incansavelmente escavam e arrancam
paredes mas não todas que é pra ter gente
passeando por pompeia no presente
pensando no passado enquanto experiência
sensível da imaginação numa dinâmica
impossível; num mesmo movimento-outro
há 87 dias comecei a minha escavação
e com as unhas ou instrumentos menos
sensíveis arranco das minhas paredes
a tinta creme queimado em busca
de um passado anterior a estes 87
dias de casa sala quarto banheiro
cozinha e lavanderia gatos e plantas
e tanta tela tanto trabalho virtual
na busca-ânsia por esse passado que não é
não pode ser meu porque a tinta
é grossa de memórias de quem aqui viveu
e eu sou tão jovem ainda que isolada sozinha
nessa busca que tanto me cansa-desespera
há oitenta e sete dias repetidamente
iguais minhas mãos mecânicas cavam
escavam e arrancam lascas inteiras
pedaços miúdos violentos no salto
sem criar memória expondo por baixo
uma parede de tinta nova-anterior em
branco

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