sábado, 16 de maio de 2020

(o que eu entendo)?

de repente, me levanto e te vejo calmamente:

estás sentado na areia, de sunga azul (que sempre foi a tua cor)
tens uns sete ou oito anos e toda energia de ti irradia
eu sentada num canto invisível da praia, na areia
à sombra (sem água fresca), te observo atentamente:
sentado na areia, de sunga azul e mãos muito ativas
explicas, a quem quiser ouvir, como se faz um castelo:
primeiro, é preciso estar do lado de dentro
e estabelecer os limites da tua fortaleza
então desenhas com a mão um círculo
ao teu redor, e começas a cavar e cavar e cavar
coletas areia e deixas a um canto
e passas a levantar muros para a tua muralha
para as paredes, atrás das quais estarás protegido,
para a estrutura sólida que ainda não sabes exatamente:
o que é? sabes apenas o movimento contínuo das mãos,
mas quantos quartos terá este teu palácio
primeiro imaginado, desenhado e então levantado?
pouco te importam questões de design agora
és um engenheiro, levantas paredes e pontes
um arquiteto, estabeleces arcos e terraços
um guerreiro, estás pronto para as batalhas,
que certo virão, e estarás a posto num terraço
de onde poderás fazer mirar teus canhões
a quem quer que ameace a boa estrutura
de teu castelo, firme na areia da praia,
de onde poderás vigiar o horizonte,
observar a chegada de navios piratas
e comerciantes, mercenários e prostitutas;

o mar continua atrás de ti, mas não saberia descrevê-lo
pois meus olhos estão cegados, concentrados em toda tua energia:
contaminas a tonalidade dessa memória criada
e sei disso porque tua sunga é mais azul que o mar,
tuas mãos mais agitadas que as ondas a rebentar,
e tua voz mais altiva que o estrondo da tempestade anunciada

assisto atentamente o homem que te tornas e és:
e te compreendo um forte feito de pedras imemoriais
onde batalhas foram vividas e esquecidas;
e de repente te vejo: um velho magro que fuma à beira-mar
e não fala de piratas e herois e crianças, silencia
pois assiste mais um navio a naufragar
e ao meu redor, desde dentro, és tudo: água salgada

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