quarta-feira, 1 de agosto de 2018

um parêntese na guerra

(Era um grito no cinza
consumado no ar
a cor das casas
na praça de pedra
da tua roupa, devota
ao caminhar.

De um ramalhete
de cravos, um rúbeo
sanguinolento se verteu
a meu rosto, dado
com tristeza ao pecado.

Era um grito no vento
doloroso o prateado
tão velho das águas
de teu rio.

Nas águas
a tua efígie madura
era fogo de brasa,
era amor veraz
minha rubra paúra).


Giorgio Caproni (1912–1991)


(Era un grido nel grigio
consumato nell’etra
delle case il colore
sulla piazza di pietra
del tuo abito, ligio
all’andazzo.

Da un mazzo
di garofani, un rosso
sanguinoso era mosso
al mio viso, donato
con tristezza al peccato.

Era un grido nel vento
doloroso l’argento
così vecchio dell’acque
del tuo fiume.

Nell’acque
la tua effigie matura
era fuoco di brace,
era amore verace
la mia rossa paura).

De Cronistoria (Vallechi, 1943), escrito durante a Resistência.

Das impossibilidades: rima e música impossíveis — e música é literalmente o que atraiu o Caproni à poesia, mas ok (a ver: grido nel grigio x grito no cinza, cruzes!); também não tem como configurar os movimentos visuais do poema (as estrofes pares quase formam um “encadeamento métrico” com as ímpares anteriores (mas na tradução eu nem vi métrica, rs), é uma dança com a música do poema e eu tenho dois pés esquerdos).

O que eu gosto: a figura feminina como símbolo de vida, ou vitalidade (tema recorrente na poética caproniana — já em Come un’allegoria), e que vem associada à natureza (os cravos, o rio, o fogo — que também têm esse impulso, esse movimento (como as bicicletas e os trens em outras obras)); a pintura: a imagem dessa chama, que é formada pelo uso das cores, e como o vermelho de sangue, aqui, é também uma fuga, é alegoria para vida e vigor, e não sangue de morte (a guerra é apenas cinza, é a pólvora, é o que atrapalha a visão da vida).

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