terça-feira, 7 de agosto de 2018

gravura

para desenhares esta mulher vais precisar:
01 todo tempo disponível no mundo
01 lápis infinito e de tons invisíveis
01 papel da mais pura leveza rígida
para que, quem sabe assim,
consigas um rabisco minúsculo.

para desenhares esta mulher vais precisar
fixar longamente seus cabelos em enredo
01 olhar atento às rugas em laço
01 delicadeza na ponta dos dedos - sem erros -
para que, quem sabe assim,
consigas um traço.

para desenhares esta mulher vais precisar
se envolver com toda a paixão do mundo
ter atenção tímida e vorazmente lúcida
se empenhar nos croquis, nos tratos desta figura
para que, quem sabe assim,
consigas um rascunho.

para desenhares esta mulher vais precisar
observar cada detalhe de suas fúrias
resgatar, nestas, toda a candura
e não se esquecer que há um tanto de doçura
escondida entre os poros intangíveis
da mulher, agora, seminua
quem sabe assim,
consigas um movimento.

para desenhares esta mulher vais precisar
reconhecer em seus olhos um pouco de ti
em sua barbaridade, algo de familiar
em sua bestialidade, algo de cômodo
em sua brutalidade, algo de inocente
em sua selvageria, algo de suave
para que assim, quem sabe,
consigas um delineamento.

para desenhares esta mulher vais precisar
te aventurar no desconhecido
mergulhar mares ferozes
nadar numa poça lamacenta
esfregar os olhos com areia
deixar a pele se queimar pelo sol
cortar os cabelos com navalha caseira
rasgar fundo tua calça preferida
arrancar da pele uma ranhura velha
escurecer ainda mais as olheiras
pular de braços abertos de uma cachoeira
para que assim, quem sabe,
consigas um esquema.

para desenhares esta mulher vais precisar
enfim, sobrepor teus borrões
a partir deles, criar estilo único
condizente com o perfil indômito
desta mulher, e quem sabe assim,
consigas um retrato infiel,
em preto e branco e todo bagunçado,
em papel já amarelado, a minuta
desta mulher, esta audácia,
esta bravura em aquarela.

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