domingo, 13 de dezembro de 2020

era uma vez um passarinho cantarolante
que cantarolava alegremente sem parar
e um dia certo dia veio a encontrar
uma mulher que lhe ouvia cantarolar
e insistia em lhe dar água para beber
e também insistia numas migalhas de
amor

e como a natureza é poderosamente
e tristemente frágil foi assim tão fácil
construir (no antes céu) ao redor do ninho
uma gaiolinha de madeira onde o passarinho
cantava desesperadamente sufocante como
quem busca num ímpeto constante criar no ar
uma fissura

mas nem o mais cruel dos deuses amantes
lhe ouve ou lhe dá atenção e o passarinho
frustrado e incompreendido e ressentido
de sua natureza e sua súbita companheira
começa a bicar e a comer o invólucro
de carne e osso que lhes circunda
que aprisiona

assim seu canto surdo se transforma súbito
que na natureza alguma forma de liberdade
há de se ter e nem que seja criando dentes
e comendo seu caminho pra fora do terror
e sujar-se de sangue e ouvir-se aos gritos
aos prantos e sentir na barriguinha uma fome
uma terrível queimante fome de pão e
um canto

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