domingo, 20 de dezembro de 2020

a. m.

eu tomo a vida é pelos dentes
e mordo arrancando pedaços
mesmo que use só as gengivas
que foi o que me restou
e a vida inteira se me inflama
ardendo por dentro no caminho
que faz pelos meus dentes
se expande feito espinho e entra
pela boca e a garganta e me arranca
a pele no trajeto até meu ventre gentil
e branco e vermelho de fúria e paixão
ali se instala querendo-me fazer morada
dentro de mim, a vida aqui dentro
feito uma explosão atravessando
veia e artéria o pulmão e o que tiver
a caminho do meu coração
faz-me tremer as pernas e suar as mãos
e é então que mordo-lhe mais forte
cravando-lhe no rabo os dentes
que me faltam, que me roubaram
os eletrochoques — me eletrizo
e faço, das gengivas, minha própria carne,
matéria de arma de guerra contra
essa tal vida que me se é imposta. e no buraco
da palavra trabalhada a navalhadas é que reconstruo
e me construo a vida, com minhas próprias unhas
esmaltadas

"dalla rovina del silenzio, fonda,
togliere la misura della voce"
— Alda Merini

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